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Entregadores de aplicativo enfrentam longas jornadas e falta de proteção no trabalho

Uma pesquisada por uma organização não-governamental mostrou a realidade de entregadores de aplicativo.

Uma pesquisa realizada por uma organização não-governamental revelou um retrato preocupante sobre as condições de vida de entregadores de aplicativo nas duas maiores metrópoles brasileiras: Rio de Janeiro e São Paulo. A investigação trouxe à tona um dado alarmante: cerca de 32% desses trabalhadores vivem algum grau de insegurança alimentar, ou seja, não têm acesso regular a alimentos seguros, nutritivos e em quantidade suficiente para atender suas necessidades diárias e de suas famílias.

A insegurança alimentar, segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), é dividida em três níveis: leve, moderada e grave. No nível leve, as pessoas convivem com a preocupação constante de não ter comida suficiente no futuro próximo; no moderado, há redução real na qualidade ou quantidade dos alimentos consumidos; e no grave, ocorre a privação alimentar de forma recorrente — a fome. No caso dos entregadores de aplicativo, 13,5% relataram viver em situação de insegurança alimentar moderada ou grave, o que representa um impacto direto e grave na saúde, no desempenho profissional e na qualidade de vida desses trabalhadores.

Esses números ganham ainda mais gravidade quando comparados à média nacional. De acordo com o mesmo levantamento, o índice médio de insegurança alimentar no Brasil é de 9,4%. Isso significa que, proporcionalmente, entregadores de aplicativo estão mais expostos à fome e à má alimentação do que a população em geral. O estudo destaca ainda que esses profissionais, em sua maioria, trabalham todos os dias da semana e dedicam mais de nove horas diárias às entregas, o que evidencia um cenário de esgotamento físico, mental e social.

A rotina intensa e os desafios diários

Os entregadores, que se tornaram parte essencial da engrenagem urbana nos últimos anos, especialmente durante a pandemia de covid-19, enfrentam uma série de desafios em sua rotina. O modelo de trabalho por aplicativo — muitas vezes apresentado como flexível e promissor — tem se revelado, na prática, extremamente exigente e pouco recompensador. Sem vínculos formais de emprego, a maioria desses profissionais atua como autônomos, sem qualquer direito garantido por lei trabalhista, como férias remuneradas, décimo terceiro salário, contribuição ao INSS ou acesso a benefícios como auxílio-doença.

Mesmo com jornadas extensas, a renda obtida nem sempre é suficiente para cobrir os custos básicos. Muitos entregadores relatam que, após os descontos com alimentação, combustível, manutenção da moto ou bicicleta e plano de dados móveis — indispensável para o uso dos aplicativos —, a margem de lucro se torna pequena. O estudo apontou que 99% dos entregadores pagam do próprio bolso pelo pacote de dados móveis, essencial para a realização das entregas, o que representa mais um custo fixo para esses trabalhadores, que já enfrentam um cotidiano de instabilidade.

Entregador de aplicativo pelas ruas de São Paulo (SP)

Outro dado preocupante revelado pela pesquisa é que 41% dos entregadores já sofreram acidentes de trabalho. A maioria deles ocorre no trânsito, envolvendo quedas, colisões ou atropelamentos. Apesar do alto risco, os entregadores não contam com garantias formais de amparo em caso de acidentes. Como não possuem carteira assinada, não têm direito a afastamento remunerado, auxílio-acidente ou reabilitação profissional custeada pela Previdência. O resultado, muitas vezes, é a interrupção do trabalho sem qualquer tipo de compensação financeira, o que pode comprometer ainda mais a situação de quem já enfrenta insegurança alimentar e falta de estabilidade econômica.

Além disso, os aplicativos que contratam esses trabalhadores se eximem de responsabilidades, uma vez que os entregadores são classificados como “parceiros”, e não como funcionários. Essa relação jurídica frágil tem sido alvo de debates no mundo todo, com ações judiciais e propostas legislativas para garantir direitos mínimos aos trabalhadores de plataformas digitais. No Brasil, esse debate avança lentamente, enquanto milhares de entregadores seguem atuando em condições precárias.

A invisibilidade social e a urgência de políticas públicas

Apesar de sua presença constante nas ruas e do papel essencial que desempenham para a economia urbana, os entregadores de aplicativo permanecem invisíveis para muitas políticas públicas. Não há programas específicos voltados à segurança alimentar desses profissionais, nem iniciativas amplas que garantam melhores condições de trabalho ou acesso facilitado a benefícios sociais. A informalidade e a ausência de uma regulamentação clara tornam esses trabalhadores extremamente vulneráveis às flutuações econômicas, crises sanitárias e à própria dinâmica exploratória das plataformas.

A pesquisa traz ainda depoimentos de entregadores que relatam o dilema cotidiano entre continuar trabalhando mesmo doentes ou se arriscar a ficar sem qualquer renda. A pressão por produtividade, incentivada por mecanismos como ranqueamentos e pontuações nos aplicativos, empurra muitos para jornadas exaustivas, em que mal há tempo para refeições adequadas ou momentos de descanso. E, quando o alimento falta em casa, a prioridade se torna simplesmente sobreviver ao dia seguinte.

Um retrato do trabalho contemporâneo

A realidade dos entregadores de aplicativo é apenas um recorte de um fenômeno maior: a chamada “uberização” do trabalho. Trata-se da substituição do emprego formal por formas de trabalho flexíveis, mediadas por tecnologia, sem garantias legais, e com remuneração diretamente ligada à demanda. Nesse modelo, o trabalhador assume todos os riscos do negócio — custos operacionais, acidentes, doenças e até a insegurança alimentar — enquanto as plataformas lucram com a intermediação.

Esse cenário impõe um desafio urgente à sociedade: como garantir direitos fundamentais em um modelo de trabalho cada vez mais baseado na informalidade e na instabilidade? A fome entre os entregadores é um reflexo direto da precarização do trabalho e da ausência de uma rede de proteção eficiente.

Caminhos possíveis e a importância do debate

Frente a esse contexto, especialistas defendem a criação de um marco regulatório para o trabalho em plataformas digitais. Esse marco deveria garantir, no mínimo, acesso à proteção social, remuneração justa, limites de jornada e suporte em caso de acidentes ou doenças. Algumas iniciativas pontuais já surgiram em cidades brasileiras, como programas municipais de apoio aos entregadores, distribuição de cestas básicas ou pontos de apoio com água, banheiros e descanso. No entanto, essas ações ainda são limitadas diante da dimensão do problema.

Ao revelar que a fome está presente entre aqueles que alimentam a cidade, a pesquisa traz à luz uma contradição dolorosa. São profissionais que circulam diariamente levando refeições para milhares de pessoas, mas que muitas vezes não têm o que comer ao chegar em casa. Corrigir essa desigualdade é um dever que extrapola o universo do trabalho: trata-se de uma questão de dignidade humana.

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